“O que devemos fazer para que 2021 não seja uma continuação de 2020”, por Cleveland Prates em destaque no primeiro BEC do ano

PUBLICADO EM 29 Jan 2021

Cleveland Prates é economista, sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do Curso de Regulação da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Ele é o especialista convidado para a Seção de Destaque do primeiro Boletim Econômico de 2021 e faz uma ampla e segmentada análise sobre os desafios a serem enfrentados pelo país, sobretudo na interseção dos campos político e econômico, para que os cenários adversos observados em 2020 não se repitam em 2021. Confira a seguir trechos retirados do texto, que pode ser conferido na íntegra no BEC de janeiro:

 

O que devemos fazer para que 2021 não seja uma continuação de 2020

Os números do Relatório de Mercado do Boletim Focus do Banco Central de 22 de janeiro indicam que as expectativas do mercado caminham no sentido de que continuaremos a avançar pouco nas reformas econômicas propostas pelo governo Bolsonaro. E isto parece fazer muito sentido, dado que o ambiente econômico depende substancialmente do ambiente político e do nível de incerteza quanto ao futuro. Neste sentido, há uma série de aspectos que devem ser considerados na tomada de decisão empresarial para este e para os próximos anos.

Com relação à gestão da pandemia da Covid-19, desde o início, observamos uma forte politização do assunto e a total falta de coordenação entre as esferas de governo. Em que pese não estar claro ainda qual o verdadeiro efeito líquido do fechamento da economia (principalmente quando incluímos nesta conta a perda derivada do número de mortes), fato é que há um razoável consenso sobre alguns aspectos deste processo que estamos vivenciando, um deles é que a forma mais eficaz de combate a esta pandemia até o presente momento se dá por meios das vacinas já disponibilizadas.

E é exatamente neste aspecto que a incerteza futura nos atinge em cheio. No atual estágio da pandemia, há forte restrição de oferta de vacinas e de insumos no mercado internacional. Até o presente momento contamos com uma expectativa de produção de 600 mil a 1 milhão de doses diárias da vacina Coronavac no Instituto Butantan e de 700 mil doses diárias, no caso da Vacina de Oxford pela Fio Cruz  a partir de fevereiro. Tomando por base esses números (e lembrando que devem ser aplicadas duas doses da vacina), na melhor das hipóteses, se tudo der absolutamente certo e não tivermos maiores restrições de insumo, o processo de vacinação só se completará a partir de outubro deste ano. Por conta de erros passados e pela evolução das novas cepas do vírus no país e no mundo, ainda viveremos um bom período de incertezas sobre a pandemia no Brasil, o que pode exigir novos fechamentos pontuais da economia a longo do ano e a extensão do auxílio emergencial, com impacto sobre as contas públicas.

O ambiente político atual também não tem favorecido a retomada do crescimento econômico. A intepretação do mercado tem sido a de que os compromissos com o ajuste das contas públicas em com as reformas estruturais têm ficado gradativamente para trás. Este entendimento tem ganhado força principalmente com o movimento no Congresso pelo retorno do auxílio emergencial, sem que sejam feitas as reformas necessárias para se abrir espaço no orçamento para este tipo de gasto. Em última instância, a leitura mais óbvia desta situação é a de que o Ministro da Economia tem perdido força e que a área mais política, menos preocupada com o equilíbrio das contas públicas, tende a dominar o governo nos dois próximos anos.

Durante as eleições, um dos pontos centrais apresentados pelo Ministro Paulo Guedes foi a necessidade de tirar o Estado de áreas típicas da iniciativa privada. Várias promessas de privatizações foram feitas à época. Entretanto, passados dois anos de governo, as concessões até agora realizadas foram ainda muito tímidas. Dos 64 projetos que estavam previstos no começo de 2020, 50 foram adiados e 5 tiveram o andamento suspenso ou cancelado. Ainda não tivemos privatizações e foram extintas apenas três estatais (CorreiosPar, Casemg e Codomar), sem qualquer relevância nas contas públicas.

O que se percebe é que o governo arrecadou até hoje muito pouco com as concessões realizadas. Atualmente o governo tem uma lista de 201 projetos envolvendo privatizações e concessões, sendo que 115 estão previstos para 2021. De toda forma, para que este processo seja vitorioso e gere frutos também no longo prazo, deve cobrir ao menos dois pré-requisitos. O primeiro é, obviamente, ter apoio político no Congresso, principalmente no caso das privatizações. O segundo, é ter um cuidado muito especial no desenho dos modelos de leilões e na definição do arcabouço regulatório.

Sob o ponto de vista das contas públicas, há três Projetos de Lei no Congresso que são fundamentais para que o país consiga evitar um desastre maior na economia já em 2022, a Proposta de Emenda à Constituição n° 186, de 2019 (PEC Emergencial), o Proposta de Emenda à Constituição nº 32 de 2020 (Reforma Administrativa) e temos ainda que levar adiante a Reforma Tributária. O risco maior que enfrentamos é começarmos por esta reforma, não avançarmos e deixarmos a discussão das PEC Emergencial e da Reforma Administrativa (as mais prementes no caso das Contas Públicas) de lado. Se isso ocorrer, a percepção do risco país deverá se elevar substancialmente ao longo dos próximos dos anos.

Por fim, é fundamental que iniciemos já neste ano uma profunda revisão da nossa política externa, tornando-a mais pragmática e direcionada à obtenção de acordos que elevem nosso comércio com outras regiões e que atraiam investimentos dos mais diversos países.

O ano de 2021 deve ser de fato um divisor de água. Não há mais espaço para erros. Ou o atual governo deixa de lado discussões políticas de pouca relevância para o país, e se concentra nos tópicos aqui apontados, ou entraremos em uma crise mais profunda, caminhando, inclusive, para um novo processo de estagflação, com todo o impacto social e político que isso trará. Em última instância, a decisão é nossa se queremos crescer a uma taxa mais elevada (possivelmente de 5% nos três próximos anos) ou se vamos continuar a andar de lado, como fizemos em toda a década passada.

Clique aqui para conferir o texto completo, acessando a íntegra do Boletim de janeiro.

 

Atividade Econômica

Em janeiro foram divulgados os resultados referentes a novembro de 2020. Os indicadores de atividade econômica do Banco Central para o Brasil (IBC-Br) e o Espírito Santo (IBCR-ES) avançaram 0,59% e 0,64% na passagem de outubro para novembro, sétima alta consecutiva nessa variação marginal com o ajuste sazonal, demonstrando certa sustentabilidade no processo de recuperação das economias.

Contudo, no fechamento do ano, os impactos da pandemia sobre os segmentos da economia, tais como o menor volume de vendas de serviços e no comércio, a redução da massa salarial e as reduções de alíquotas para operações de crédito, repercutiram em um menor montante arrecadado pela Receita Federal em 2020, que chegou a representar uma variação real de -6,91% em relação à 2019.

Desempenho Industrial

Em novembro a indústria geral do país avançou 1,2% em relação a outubro e ficou 2,6% acima do patamar registrado em fevereiro, mês considerado pré-pandemia. Já no Espírito Santo, a indústria apresentou desempenho negativo em todas as bases de comparação. Contudo, alguns setores industriais capixabas apresentaram expansões significativas, tal como o avanço de 70,1% na produção de papel e celulose em comparação com novembro de 2019.

Os reflexos da pandemia sobre a indústria capixaba em 2020 podem ser observados por meio das suas vendas externas. Em 2020, as exportações das indústrias do estado recuaram -46,0% em valores monetários e -32,5% em toneladas.

Preços, Juros e Crédito

A inflação no Brasil, mensurada pelo IPCA, fechou o ano de 2020 em 4,52%, acima da meta de 4,00%, porém dentro do intervalo entre 2,50% e 5,50%. Na RMGV a inflação finalizou 2020 em 5,15%. Os preços dos alimentos e bebidas, que subiram 14,09% no país e 18,35% na RMGV, influenciaram o aumento do IPCA. Já a variação de preços medida IGP-M da FGV registrou um aumento de 23,14% em 2020, devido principalmente à alta de 31,64% do Índice de Preços por Atacado (IPA).

Na primeira reunião de 2021, o Copom levou em consideração esse comportamento inflacionário do ano passado (IPCA), sobretudo a aceleração no curto prazo, e decidiu manter a taxa Selic na sua mínima histórica em 2,00%.

No mercado de crédito, com os dados referentes a novembro, observa-se a taxa média de juros das operações de crédito (18,7%) e o spread médio (14,4 p.p.) em torno dos seus menores patamares, enquanto os saldos da carteira de crédito, tanto no Brasil e quanto o no Espírito Santo, variaram positivamente em relação a outubro e na comparação interanual.

Finanças Públicas e Estaduais

No fechamento do exercício financeiro de 2020, as receitas do Governo do Estado do Espírito Santo totalizaram R$ 18,65 bilhões, o que representa uma queda real de -6,5% em relação a 2019 e correspondeu a 94,4% do total orçado para o ano. Os destaques foram as perdas das receitas do petróleo (-32,0%) e as transferências de recursos da União para o enfrentamento à pandemia. As despesas, por sua vez, tiveram aumento real de 3,8% em relação a 2019, totalizando R$ 15,98 bilhões, que correspondem a 85,1% do total orçado inicialmente para o ano de 2020.

Boletim Econômico Capixaba é uma publicação mensal do Ideies sobre a conjuntura econômica do Espírito Santo e do Brasil.

Para acessar o arquivo com a edição completa do Boletim, clique aqui.

 

Sobre o(a) editor(a) e outras publicações de sua autoria

Jordana Teatini

Economista pela UFJF, mestre em Economia pela UFES. Atua como Analista de Estudos e Pesquisa na Gerência de Estudos Econômicos, realizando análises conjunturais e pesquisas com foco nas áreas de Economia Industrial e Inovação.